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HÁ SEMPRE UMA PERDA EM CADA ENCONTRO

Extraído da coluna de Artur da Távola para o Jornal do Brasil


""Freqüentemente sou compreendido por quem não me conhece e incompreendido por quem me conhece." (Artur da Távola, 1983)


"
C

ada encontro está carregado de perda. Ou de perdas. Às vezes duas pessoas que se amam (casados, solteiros, amantes, namorados) se encontram e são felizes. Ao fim da felicidade, um deles chora. Ou fica triste. Ou baixa os olhos . ou é invadido por inexplicável melancolia.
É a perda que está escondida no deslumbramento de cada encontro.
O encontro humano é tão raro, que, quando surge, vem carregado de todas as experiências de desencontros que a pessoa já teve. E que a espécie já sofreu.
Quando você está perto de alguém e não consegue expressar tudo que está claro e simples na sua cabeça, você está tendo um desencontro. Aquela pessoa que extremo cansaço de explicar as coisas é alguém com quem você se desencontra.
Aquele que só emite, pouco lhe dando condições de intercalar os seus pontos de vista é outro com quem você se desencontra.
Aquele a quem você admira tanto que lhe impede de falar, também é um agente de desencontro, por mais encontros que você tenha com parte dele.
A pessoa que só pensas naquilo em que vai falar  e não naquilo que você está dizendo para ela é alguém com quem você se desencontra.
A pessoa que  já vem conversar com você com posições definidas e formadas é alguém com quem você se desencontrará.
Alguém que o ama ou o detesta, sem nunca ter sofrido ao seu lado, é alguém desencontrado com você.
Cada desencontro é perda porque é a irrealização do que teria sido uma possibilidade. É a experiência de tanto desencontros o que marca os raros encontros que a vida permite.
A própria vida é uma espécie de antessala do grande Encontro (com o Todo? O Nada?). Por isso talvez seja uma provocação de desencontros preparatórios da penetração da essência do Ser.
Mas, por isso ou por ou por aquilo, cada encontro está carregado de perda. A perda é mais adivinhada do que sentida. E, no ato de sentir-se intensamente feliz, associa-se a ideia do passageiro que é tudo , do amanhã cheio de interrogações da exceção que aquilo significa. E uma tristeza muito particular se instala: a tristeza feliz.
A tristeza feliz não é a que deriva das grandes dores, frustrações ou amarguras. É a que se associa ao momento bom , como perda inerente a cada encontro, com sentimento de certeza de que tudo aquilo passará. É a consciência do não ter na hora de ter.
Tristeza feliz é que só surge depois dos encontros verdadeiros, tão raros. Encontros verdadeiros são os que se dão de self (si mesmo) para os self e não de inteligência para inteligência, de concordância para concordância, de interesse para interesse.
Os encontros verdadeiros prescindem de palavras. Prescindem até do clássico “precisamos conversar”. Eles realizam em cada pessoa a parte delas que sublimou, ficou pura, melhor ou louca, mas a parte que responde à carências muito antigas e às certezas anteriores aos fatos.
É  mais fácil para quem tem um encontro verdadeiro acabar triste pela certeza  da fluidez da  felicidade, do que sair cantando a alegria da felicidade vivida ou trocada.
Quem se alegra demais se distancia da felicidade.
Felicidade está mais próxima da paz que da alegria; do silencio que da festa; do encontro que do debate.
A alegria é “dom Divino, filha do alto Elizeu” como dizia Schillier, o poeta, no verso que “ Nona sinfonia” de Beethoven mas ouso dizer que ela é Divina na medida em que é um dom, uma graça, uma centelha doada aos homens para enfrentar a vida. Eu diria que a alegria não é felicidade e que a felicidade muitas vezes está mais perto da tristeza do que da alegria.
Felicidade está perto da tristeza, porque a certeza da perda sempre se instala a cada vez em que estamos felizes. Cada encontro está carregado de perda.
Nesta vida.
E até na outra, que, se existe, (e permitirá o encontro redentor), precisou da perda desta vida.
E esta certeza – a da perda – a que provoca aquela lágrima ou aquela angústia, que se a gente não sabe porquê , às vezes, se instala após os verdadeiros encontros.Há sempre uma despedida em cada alegria. Há sempre um “ E depois?” após cada felicidade. Há sempre uma saudade na hora de cada encontro. Antecipada.”

Autor : Artur da Távola
Fonte: Jornal do Brasil (1983) e o Livro Amor: ensaio de enigma.

Para referir: TAVOLA, A. Há Sempre uma Perda em Cada Encontro.
Amor: ensaio de Enigma , Rio de Janeiro: Nova Fronteira. dsponível em www.marcosmaximino.psc.br/mural.asp acesso em dd/mm/aaaa.

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